Conteúdo sobre uma das primeiras partes do Brasil a ser descoberto pelos portugueses.
Com mais de 500 anos de historia pos descobrimentos e mais de 10 mil anos de pré-história.
Esse é o estado do Rio Grande do Norte, tendo como capital a cidade de Natal, fundada em 1599.
Terra de sol o ano todo, com chuvas nos meses de junho a agosto, geograficamente favorecido próximo
a Africa e Europa e com ventos puros oriundos da Antartica.

terça-feira, 6 de julho de 2010

OUTRA POSSIVEL FUNDAÇÃO

Foi o escritor José Moreira Castelo Branco quem procurou solucionar, de maneira definitiva, o problema da fundação de Natal. Com base numa exaustiva pesquisa, publicou um estudo intitulado "Quem Fundou Natal", onde provou que João Rodrigues Colaço foi de fato o primeiro capitão-mor do Rio Grande. Apresentou dois documentos, encontrados por Serafim Leite. Um deles é uma carta do provincial Pero Rodrigues, que registrava o trabalho de catequese realizado no Rio Grande pelos padres Francisco Pinto e Gaspar de Samperes, e diz ainda que "a tudo isso se achava presente o capitão da fortaleza, João Rodrigues Colaço".

Em seguida, Castelo Branco faz o seguinte comentário: "isto ocorria em março ou abril de 1599, porque a 19 deste último mês, já os ditos padres, a fim de satisfazerem uma exigência do príncipe Pau Seco, para melhor garantia e tornar a pacificação mais firme, partiam do forte do Rio Grande, em vista às aldeias dos potiguares, até chegar às de Capaoba, donde seguiram com destino à Paraíba".

O segundo documento, atribuído a Gaspar de Samperes, afirma o seguinte: "João Rodrigues Colaço, o primeiro capitão que foi daquela capitania".

Castelo Branco, apresentando essas provas, constatou ter sido Rodrigues Colaço o primeiro capitão-mor do Rio Grande e, ainda, através do documento em que dom Manuel Mascarenhas Homem deu sesmaria a João Rodrigues Colaço, se comprova que esse senhor governava a capitania em janeiro de 1600. Após examinar tudo isso, Castelo Branco conclui dizendo que "o primeiro capitão-mor do Rio Grande foi João Rodrigues Colaço, que governava no ano de 1599, devendo, por isso, ter sido o fundador da Cidade do Natal".

Como Castelo Branco não se posicionou de maneira categórica, usando, inclusive, a expressão "devendo, por isso, ter sido o fundador", não fechava a questão, deixando o problema em aberto. É que o autor não dispunha de nenhum documento oficial que confirmasse a sua teoria.

A importância do estudo de Castelo Branco, contudo, é muito grande. Elaborou uma tese, hoje vitoriosa. Abriu novas perspectivas, trazendo uma contribuição significativa e despertando a curiosidade de outros historiadores. A sua teoria, portanto, ficou no terreno das possibilidades, ou seja, uma abordagem perfeitamente válida.

Permitiu, por outro lado, que a versão que defendia sem dom Manuel Mascarenhas Homem o fundador da Cidade do Natal ganhasse novos adeptos: Hélio Galvão e Luís da Câmara Cascudo.

Tarcísio Medeiros divulgou, pela primeira vez, em fevereiro de 1973, o Alvará de Nomeação de João Rodrigues Colaço, em seu livro "Aspectos Geopolíticos e Antorpológicos da História do Rio Grande do Norte". Através desse alvará se constata o seguinte:

1 - João Rodrigues Colaço foi nomeado capitão da Fortaleza, pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza, confirmado, posteriormente, pela metrópole.

2 - Não houve, portanto, interrupção, desde a data de nomeação, pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza, até a designação real, através do alvará de 18 de janeiro de 1600.

Esse alvará era, justamente, o documento oficial que Castelo Branco reclamava e que, infelizmente, não chegou a conhecer.

O historiador Olavo de Medeiros Filho, em seu livro "Terra Natalense", afirmou o seguinte: "Quando à transmissão do comando da fortaleza a Jerônimo de Albuquerque, referida por frei Vicente, não há respaldo documental. Conforme se verifica, através da leitura da Relação de Ambrósio de Siqueira, de 24 de junho de 1598 até 5 de julho de 1603, houve a presença de um capitão-mor da fortaleza e da Capitania do Rio Grande, de João Rodrigues Colaço, o qual foi provido pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza".

Essa informação é importante porque deixa claro que João Rodrigues Colaço recebeu o comando da fortaleza após a sua conclusão e não posteriormente, como se dizia no passado.

Jerônimo de Albuquerque, portanto, não foi designado capitão da fortaleza por Mascarenhas Homem no dia 24 de junho de 1598.

É possível também concluir que João Rodrigues Colaço foi, inicialmente, designado para responder pelo comando da fortaleza, por Mascarenhas Homem, e somente depois foi nomeado capitão-mor da Capitania do Rio Grande, pelo governador geral do Brasil, e, finalmente, confirmado nessa função, pelo governo metropolitano.

Examinando os documentos encontrados pelo padre Serafim Leite e publicados no livro "História da Companhia de Jesus no Brasil"; a "Carta de Doacão de Sesmarias a João Rodrigues Colaço", publicada pela revista do Instituto Histórico e Geográfico no Rio Grande do Norte; a "Relação de Ambrósio de Siqueira", transcrita em parte - um pequeno trecho - por Olavo de Medeiros Filho, em "Terra Natalenses"; o Alvará de Nomeação de João Rodrigues Colaço, divulgado por Tarcísio Medeiros em "Aspectos Geopolíticos e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte" e, ainda, "Quem Fundou Natal", de Castelo Branco, fica claro o seguinte" João Rodrigues Colaço foi nomeado capitão da fortaleza por dom Francisco de Souza, sendo o primeiro a exercer tal função no Rio Grande, e como continuava governando a capitania, em janeiro de 1600, foi ele, JOÃO RODRIGUES COLAÇO QUEM FUNDOU A CIDADE DO NATAL, NO DIA 25 DE DEZEMBRO DE 1599.

A FUNDAÇÃO DE NATAL

O cardeal D. Henrique assumiu o governo português em 1578. O prelado contava sessenta e seis anos e, como não tinha filhos, criava um problema para a sucessão do trono português. No dia 31 de janeiro de 1580, o governante morreu.

Entre os diversos pretendentes ao trono, três netos de D. Manuel se apresentavam com maiores possibilidades: D. Antônio, prior do Crato, D. Catarina e Felipe II, rei da Espanha renunciou a favor de Felipe II. A disputa se reduziu entre D. Antônio, que era filho bastardo do infante D. Luís, e o monarca espanhol, que era o mais poderoso pois contava com o apoio de importantes figuras da nobreza e do clero lusitano. Os dois rivais partiram para a disputa armada. D. Antônio enfrentou as tropas fiéis a Felipe II, chefiados pelo duque de Alba, sendo posteriormente derrotado.

A crise abalou profundamente Portugal e no dia 28 de junho, como narra Jânio Quadros, "iniciou-se a tomada de Portugal pelos duque de Alba, enquanto setenta e duas galés sob o comando do marquês de Santa Cruz, acompanhadas de setenta naus, chalupas e caravelas, encetavam as operações navais. As cidades, vilas, lugares e povoações caíram uma a uma em poder dos invasores, a despeito, aqui e ali, dos esforços dos partidários de D. Antônio em contê-los".

D. Felipe não agiu somente pela força das armas, fez praticamente, tudo. Propostas tentadoras aos membros da nobreza, além do apoio da Companhia de Jesus. Em síntese, ele comprou o apoio recebido de seus adversários com ouro e também através de seu poderio militar.

Tudo isso porque Felipe II tinha grandes interesses na anexação de Portugal ao reino espanhol: "O grande palco dos efeitos políticos espanhóis na era filipina havia sido, até aquela data, o Mediterrâneo, seria através desta unificação que a Espanha passaria a tomar parte na grande era atlântica inaugurada por Portugal", segundo a "História Geral da Civilização Brasileira", Vol. I. Por outro lado, os portugueses já participavam das atividades comerciais espanholas. Era importante para a Espanha a anexação do reino lusitano, justificando assim todo o empenho do monarca hispânico. Não foi difícil ocupar Portugal. Venceu Felipe II e, em 1581, as cortes de Tomar aclamaram-se rei de Portugal. Estava efetivada a "União Peninsular", que terminaria apenas no ano de 1640.

Para o Brasil, esse período foi uma fase altamente positiva. Exemplo: a conquista do Norte e Nordeste do País.
Os franceses se fixaram no litoral potiguar sem necessidade de dominar o nativo e, justamente por essa razão, tiveram a população local como aliada. Escondiam suas naus no rio Potengi e, de sua base, se lançavam contra os colonos portugueses que se encontravam na Paraíba. O Rio Grande era, de fato, uma área estratégica. Da região, os franceses podiam se deslocar para o norte e igualmente para o sul.

Filipe II, ao anexar Portugal e suas colônias, sentiu a situação de abandono em que estava parte do Nordeste e todo o Norte do Brasil. E o que era pior: a constante ameaça que representava a permanência dos franceses no Rio Grande. Tendo em vista essa situação, o monarca não perdeu tempo. Através de duas Cartas Régis (9 - 11 - 1596 e 15 - 03 - 1597), determinou a expulsão do inimigo e que fosse construída uma fortaleza e ainda, fundada uma cidade. Em síntese: conquistar o Rio Grande, consolidando tal feito através da colonização. Por essa razão, um fato deve ficar bem claro: a expulsão dos franceses do Rio Grande foi uma iniciativa de Filipe II, o que significa dizer, hispânica.
A conquista do Rio Grande não se apresentava como sendo uma tarefa fácil. E foi por assim compreender que D. Francisco de Souza, governador-geral do Brasil, determinou que o capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, tomasse todas as providências para que se organizasse uma grande expedição militar com o objetivo de que as ordens de Filipe II fosse executadas. Assim foi feito. Uma poderosa expedição foi organizada. Desta, uma parte iria por mar com uma esquadra formada por sete navios e cinco caravelões, sob o comando de Francisco de Barros; e outra seguiria caminhando por terra, liderada por Feliciano Coelho, capitão-mor da Paraíba.

Manuel Mascarenhas Homem assumiu o comando geral, agindo com o máximo de empenho para que nada faltasse a fim de que os objetivos fossem alcançados: expulsar os franceses, construir uma fortaleza e fundar uma cidade. Participaram da jornada um grupo de religiosos: os jesuítas Gaspar de Samperes (autor da planta da futura fortaleza) e Francisco Lemos, e mais dois franciscanos - Bernadino das Neves, que funcionava como intérprete, e João de São Miguel.

Narra Câmara Cascudo: "Feliciano Coelho partiu por terra com as quatro companhias pernambucanas e uma paraibana capitaneada por Miguel Álvares Lobo, num total de 178 homens e 90 indígenas guerreiros de Pernambuco e 730 da Paraíba, com seus tuixauas prestigiosos e bravos: Pedra Verde (Itaobi), Mangue, Cardo-Grande etc. a 17 de dezembro de 1597 o exército marchou. Mascarenhas viera com as naus".

Acontece que as forças terrestres foram atingidas pela varíola, sendo obrigadas a retroceder, com exceção de Jerônimo de Albuquerque que se uniu à expedição marítima. Havia uma justificativa: Jerônimo desfrutava de grande prestígio entre os nativos.

A viagem pelo mar continuou e, no caminho, sete naus franceses fugiram para evitar um confronto com a esquadra lusitana.

No dia 25 de dezembro, a frota luso-espanhola atingia o rio Potengi. No final do ano de 1997 esse fato completa exatos quatrocentos anos.

A primeira providência dos invasores foi fazer um entricheiramento com varas de mangue para que pudessem se defender das investidas dos potiguares. Medida acertada, porque não demorou muito os nativos atacaram com toda violência. Era a guerra que começava. Com o passar dos dias, os luso-espanhóis começaram a perder terreno no conflito armado. A situação se agravou a tal ponto que ficou crítica, como narrou Vicente Salvador: "Depois de continuar os assaltos que puseram os nossos em tanto aperto que esacassamente podiam ir buscar água para beber a uns poçozinhos que tinham perto da cerca".

O quadro era muito triste: mortos, feridos e doentes. O clima ficava, a cada momento, mais insustentável. Foi quando, providencialmente, chegou Francisco Dias com reforço, evitando uma humilhante derrota. Servindo para que os luso-espanhóis pudessem manter a posição onde se encontravam. Não fosse a chegada de Feliciano Coelho, que partiu da Paraíba com mais soldados, armas e municões, tudo estaria perdido. A situação, ainda assim, continuava delicada. Era preciso negociar a paz com urgência.
A fortaleza de madeira não foi construída, como pensava Câmara Cascudo, em um "arrecife a setecentos e cinqüenta metros da barra do Potengi". A razão é muito simples: naquele local, a construção não suportaria o impacto das águas. O edifício, esclarece Hélio Galvão, foi erguido na praia.

A planta da fortaleza, apesar de ser contestada por alguns autores, foi feita pelo padre Gaspar de Samperes. Segundo a arquiteta Jeanne Fonseca Leite, "a concepção 'antropomorfa' dos italianos encontrou acolhida por parte do padre Samperes que a introduziu no seu projeto destinado à construção da Fortaleza dos Reis Magos".

Fortaleza e não forte, Hélio Galvão esclarece a dúvida: "Forte é uma pequena edificação sem guarda permanente. Fortaleza, ao contrário, é um grande edifício com um contingente de soldados permanente. A fortaleza, localizada na barra do Potengi, se destaca pela sua beleza e pela sua imponência. Não poderia ser de maneira alguma um forte'.

Para Hélio Galvão, que pesquisou exaustivamente sobre a Fortaleza, o nome correto seria Fortaleza da Barra do Rio Grande. O problema não é tão simples. Naquela época se usava de maneira indiferente mais de um nome para indicar um prédio público. Aquele edifício pode ser chamado também de Fortaleza dos Reis Magos, o que não pode, certamente é designá-lo por "Forte dos Reis Magos", que por sinal é a versão popular usada de maneira errada pelos cronistas tradicionais.

Os trabalhos de construção da fortaleza começaram no dia 6 de janeiro de 1598. Hélio Galvão explica o seguinte: "O trabalho se desenvolvia entre dificuldades e imprevistos, a ameaça constante de índios e franceses, a atenção dos homens voltada para a vigilância do acampamento. Diríamos que Mascarenhas Homem lançou a pedra fundamental e a partir daí ninguém parou. O material foi chegando, as pedras que vinham de Lisboa lastrando os navios eram guardadas, acumulava-se cal e os implementos imprescindíveis eram providenciados".

A primeira fortaleza, a de madeira, foi concluída no dia 24 de junho de 1598. E tinha, como descreveu Câmara Cascudo, "a forma clássica do forte marítimo, afetando o modelo do polígono estrelado".

Em 1614, o engenheiro-mor do Brasil, Francisco Frias de Mesquita, realizou trabalhos na fortaleza, fazendo pequenas modificações sem alterar a planta original. A obra foi concluída somente em 1628.
A capitania se chamava, no início, do Rio Grande, passando a incluir "do Norte" quando surgiu outra de igual nome, no Sul do País.

Não houve, no Rio Grande, uma conquista. A expedição de Manuel Mascarenhas Homem estava praticamente derrotada. Os missionários saíram da fortaleza para se transformarem em embaixadores da paz. Um passo significativo nesse sentido foi dado quando os nativos conseguiram distinguir os militares e colonos dos sacerdotes. O padre Francisco Pinto foi, na realidade, o grande e incansável apóstolo. Percorreu o sertão, enfrentou múltiplas vicissitudes. Nos momentos mais difíceis conseguia reunir novas forças graças à sua fé, operando verdadeiros milagres na obra de persuasão.

Primeiro, a catequese e, através dela, o padre Francisco Pinto e seus companheiros missionários procuravam levar os silvícolas para o lado dos portugueses. O padre Pero Rodrigues, numa carta, transcrita por Hélio Galvão, registra o trabalho árduo e difícil dos religiosos. Os padres ajudavam ao exército com os acostumados exercícios da Companhia, que eram "a edificação de todos, pregando, confessando, fazendo amizades e não se negando a nenhum trabalho, de dia e de noite, como no acudir aos índios nossos amigos, que nos ajudavam na guerra, por adoecerem gravemente de bexigas e, quando era possível, acudiam a curar e consolar na morte".

No processo de pacificação, os missionários não agiram sozinhos. Contaram com o apoio de alguns chefes nativos: Mar Grande e Pau Seco, entre outros. Os líderes potiguares foram negociar a paz com os brancos porque as suas mulheres exigiram o fim das hostilidades. Contribuíram também com o processo de cristrianização de seus irmãos ao lado dos missionários.

Não se pode esquecer, igualmente, o desempenho de Jerônimo de Albuquerque que foi de suma importância. Filho de Jerônimo Santo Arco Verde (Ubirá - Ubi) que, por sua vez, era filha do chefe nativo Arco Verde. Mestiço, possuía sangue tupi em sua veia; corajoso e hábil, falando o idioma nativo, desfrutava de grande influência entre os habitantes de todo o Nordeste.

A paz era o anseio das duas facções em luta e as negociações obtiveram êxito. Terminadas as hostilidades, Manuel Mascarenhas Homem partiu para a Bahia, com o objetivo de relatar os acontecimentos ao governador, D. Francisco de Souza que, sem demora, determinou que fossem solenemente celebradas as pazes. Isso aconteceu no dia 11 de junho de 1599, na Paraíba, na presença de muitas autoridades - Mascarenhas Homem; Feliciano Coelho de Carvalho, ouvidor-mor geral, e Brás de Almeida; de diversos chefes nativos; do intérprete frei Bernadino das Neves e do apóstolo dos potiguares, padre Francisco Pinto. As pazes foram finalmente ratificadas e estava assim assegurada a posse definitiva da terra, ou mais precisamente da Capitania do Rio Grande.

Um presente dado por Felipe II ao império lusitano ...
Expulso o francês, construída uma fortaleza, faltava apenas fundar uma cidade. E esse era, dos três objetivos, provavelmente o mais fácil de ser executado. Acontece que, graças à destruição de documentos pelos holandeses, a história da fundação da capital potiguar se perdeu, talvez, para sempre. A luta dos historiadores norte-rio-grandenses para reconstruir tal acontecimento tem gerado uma grande controvérsia através dos tempos. As pesquisas começaram a dar bons frutos e a questão começa agora a ficar mais clara, com alguns problemas solucionados.

Ainda hoje se discute quem teria sido o fundador da Cidade do Natal. Os primeiros cronistas indicavam o nome de Jerônimo de Albuquerque, alegando que, por sua participação no processo de pacificação, com sua garra e valentia, teria sido o primeiro capitão-mor do Rio Grande e logo depois fundado Natal. A informação se baseava muito mais na intuição do que em qualquer base documental. É, portanto, compreensível que os primeiros historiadores se confundissem. Frei Vicente Salvador, por exemplo, narra o seguinte: "Feitas as pazes com os potiguares, como fica dito se começou logo a fazer uma povoação no Rio Grande a uma légua do forte, a que chamam a Cidade dos Reis, a qual governa também o capitão do forte que El Rei costuma mandar cada três anos".

Outro historiador, Francisco Adolfo Varnhagen, avança mais nas explicações se valendo de detalhes: "Feitas as pazes com os índios, passou Jerônimo de Albuquerque a fundar no próprio Rio Grande uma povoação. E como era para isso imprópria a porção do arrecife ilhada (em preamar) onde estava o forte, segundo ainda hoje se pode ver, escolheu para isso o primeiro chão elevado e firme, que se apresenta às margens direitas do rio, obra de meia légua acima de sua perigosa barra (...). A dita povoação, depois vila e cidade, de cujo nome não conseguiu fazer - se digna por seu correspondente crescimento, se chamou de Natal em virtude, sem dúvida, de se haver inaugurado o seu pelourinho ou a igreja matriz a 25 de dezembro desse ano da fundação (1599)".

Vicente de Salvador confundiu a "povoação dos Reis" com a futura capital do Rio Grande do Norte. Na realidade, durante a construção da fortaleza, Manuel Mascarenhas Homem mandou erguer algumas casas para abrigar os oficiais que participaram da tentativa de conquista. Com isso, surgiu uma povoação que se chamou de Santos Reis. Natal seria fundada, posteriormente, e não tinha nenhuma relação com a povoação que nasceu próxima daquele edifício militar...

Varnhagen vai mais além, descreve a evolução daquele núcleo urbano: "A dita povoação, depois vila e cidade". Essa afirmação, porém, não é sustentável. Natal como disse Câmara Cascudo, "nasceu cidade". Não há, desse modo, nenhuma relação com a primitiva povoação que floresceu nas proximidades da fortaleza. A razão é clara: Felipe III mandou que se fundasse uma cidade e não uma povoação... Natal surgiu no local onde floresceu a povoação. Natal nasceu cidade, porém, sem casas e sem ruas, aumentando a controvérsia.

A Capitania do Rio Grande possuía dois núcleos: uma povoação em decadência e uma cidade que, na prática, não existia... Mas aos poucos, com o passar do tempo, começava a surgir. Essa situação provocou muita confusão entre os autores, como demonstram as diversas denominações que Natal recebeu: "Natal los Reys", "Cidade dos Reis", "Cidade do Natal do Rio Grande" e até o nome muito estranho de "Cidade de Santiago"...
A primeira versão que contou no início com a quase unanimidade dos historiadores, inclusive dos pesquisadores da terra, era a que apontava Jerônimo de Albuquerque como fundador da Cidade do Natal. Essa teoria, que tem entre seus defensores ilustres nomes, como Vicente Lemos, Tavares de Lyra e Tarcísio Medeiros, em síntese seria a seguinte: Mascarenhas Homem nomeou Jerônimo de Albuquerque comandante da fortaleza e depois seguiu para a Bahia com a finalidade de prestar contas da missão que desempenhara, por determinação do governador-geral do Brasil. Veio a seguir a pacificação dos nativos e, em seguida, a fundação da cidade. Como Jerônimo se destacou no processo e era o capitão-mor da Capitania do Rio Grande, logo fora ele o fundador de Natal. Tavares de Lyra chega até a afirmar que "é de presumir". Portanto, não se tratava de fato e, sim, de uma possibilidade.

Com o avanço das pesquisas, ficou provado que Mascarenhas Homem não designou Jerônimo de Albuquerque para exercer a função de capitão-mor do Rio Grande e, o que é mais importante, Jerônimo não se encontrava presente na data da fundação da cidade e portanto não pode ser considerado como sendo seu fundador ...

Luís Fernandes (1932) defendeu ter sido Manuel Mascarenhas Homem o fundador da Cidade do Natal. Alegava que, construindo o primeiro edifício (a fortaleza) e ainda as casas que deram origem à povoação que se formou próxima à fortaleza, seria o verdadeiro padrinho da cidade. Argumentação falha, considerando que o novo centro urbano não possuía nenhuma relação com tudo o que existia anterior à data da sua fundação.

José Moreira Brandão Castelo Branco publicou em 1950, na revista Bando, o texto "Quem fundou Natal", onde defendia a tese de ser João Rodrigues Colaço o provável fundador da capital potiguar. Posteriormente, esse estudo foi publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em 1960, provocando uma polêmica. Câmara Cascudo chegou inclusive a apoiar a teoria defendida por Castelo Branco (1955). Pouco tempo depois mudou de opinião, acreditando que o fundador da cidade teria sido outro: "Para mim, o padrinho da Cidade do Natal foi Mamuel de Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, comandante da expedição colonizadora:. E argumenta: "Continuava tão interessado no cumprimento das reais determinações que fora à Paraíba, em juno desse 1599, assistiu à solenidade do contrato das pazes com os potiguares, ato possibilitador da criação da Cidade seis meses depois. Acontece que, nessa época, Mascarenhas Homem estava em Natal onde concedeu, a 9 de janeiro de 1600, data nesta fortaleza dos REIS MAGOS (...), a primeira sesmaria, à margem esquerda do rio, numa água a que chamam da Papuna, justamente ao capitão João Rodrigues Colaço, seu subalterno. Não abandonaria funções de governaça se não tivesse deveres de suma importância, como satisfazer a última parte das instruções do rei, participando da fundação da cidade. Não outra explicação para a sua presença em Natal. Tinha sido encarregado da missão e deveria cumpri-la até o final".

Essa teoria se fundamenta nos seguintes pontos:

1 - A presença de Manuel Mascarenha em dois eventos:

a) Solenidade da ratificação da paz com os nativos.

b) Data da fundação da cidade.

2 - E, ainda, os seguintes argumentos:

a) Doou a primeira sesmaria no Rio Grande do Norte a João Rodrigues Colaço, ato administrativo que provaria que estava à frente do governo da capitania.

b) Mascarenhas Homem tinha como missão expulsar os franceses, construir uma fortaleza e fundar uma cidade. Deveria executar objetivos e, assim, teria para cumprir a última missão: a fundação de Natal.

Manuel Mascarenhas Homem prestigiou os eventos citados como representante do governador-geral do Brasil e foi representando D. Francisco de Souza que doou a sesmaria a colaço. É bom lembrar que, como comandante de uma expedição militar, ele não poderia doar sesmaria ...

Mascarenhas Homem construiu a fortaleza de madeira, lançando os fundamentos da fortaleza definitiva. Expulsou os franceses, mas não fundou a cidade do Natal porque em dezembro de 1599 já existia um governante, o capitão-mor João Rodrigues Colaço, habilitado legalmente para fundar a cidade e iniciar o processo de colonização...

Não se pode esquecer, também, que no documento da doação de capitão da fortaleza, D. Manuel Mascarenhas Homem disse claramente que "por mandato do dito Senhor vim conquistar este Rio Grande e fazer nele a fortaleza dos Reis Magos". Não afirma que veio fundar uma cidade e, no entanto, Natal já estava fundada! Chega-se a uma conclusão: Manuel Mascarenhas não fundou a Cidade do Natal. Falta examinar apenas a teoria que defender ter sido João Rodrigues Colaço o verdadeiro fundador.

Vicente Lemos foi o primeiro historiador a afirmar que João Rodrigues Colaço teria sido o homem que exerceu, pela primeira vez, a função de capitão-mor do Rio Grande, numa nota publicada na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Vol. 6, página 138: A conquista iniciada em princípios de 1598, e na qual tanto distinguiu-se Jerônimo de Albuquerque, remete no ano seguinte, e, ciente D. Francisco de Souza, governador-geral do Brasil, de bom êxito da empresa, nomeou capitão-mor do forte a João Rodrigues Colaço, o primeiro que realmente governou a capitania".

Depois, entretanto, Vicente de Lemos muda de opinião. No seu livro "Capitães Mores e Governadores do Rio Grande do Norte", declarou que Jerônimo de Albuquerque foi o fundador da Cidade do Natal.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A DESCOBERTA EUROPEIA

A Europa, no final do século XV, se encontrava presa em seus limites, sentindo a necessidade de se expandir. O comércio das especiais, monopolizado pelas cidades italianas e desenvolvidas do Mediterrâneo, prejudicava o restante dos países do continente. A razão era muito simples: os produtos eram vendidos por um preço muito alto. A necessidade de quebrar esse monopólio passou a ser uma questão de sobrevivência para uma economia monetária, como narrou Rolando Mausmier: "o numerário é totalmente insuficiente para as monarquias e para um comércio em plena expansão". Era preciso, com urgência , encontrar ouro. Como diversas lendas colocassem grandes tesouros na África e na Ásia, os europeus sonhavam em se apossar dessas fortunas. Era preciso, também, acabar com os intermediários, e o país que realizasse tal feito obteria lucros fabulosos.

Além da necessidade de conseguir ouro, a Europa se encontrava apertada entre o mar e seus inimigos. Em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, o caminho para o oriente se fechava para os europeus. A situação ficava crítica. Havia uma solução apenas: atingir o Oriente pela via marítima/

Portugal, por sua posição geográfica, se lançou ao mar mais cedo. Adquirindo experiência nessas viagens, saía na frente em busca de um caminho marítimo para o Oriente. Seria a salvação do império lusitano. Havia outro motivo: as condições eram precárias para as atividades agrícolas em Portugal, razão pela qual a sua população tinha que tirar o alimento do mar. Pescando, os lusitanos foram se afastando do litoral, atingindo a Terra Nova, rica em bacalhau, salmão etc. Aos poucos, e como conseqüência dessas empreitadas, os portugueses foram aperfeiçoando os seus navios. No século XV, as galeotas e as galés de dois mastros haviam sido ultrapassadas, surgindo as barcas, barinés e as caravelas, que se imortalizaram durante as grandes descobertas.

A expansão marítima, organizada de maneira sistemática pelos lusos, começou com a conquista de Ceuta, em 1415. Toda viagem através do Oceano Atlântico, naquela época, era uma perigosa aventura, porque ninguém garantia o retorno. Após a conquista da Ceuta, os navegantes passaram a receber estímulos, sobretudo do infante D. Henrique que, por essa razão, foi chamado de "O Navegador". Acontece que a vida desse personagem foi envolvida por uma série de lendas. Como resultado, a sua personalidade foi exaltada, até ao exagero, por alguns historiadores, quer portugueses, quer brasileiros.

Pedro Calmon é um deles: "deu-se perdidamente às ciências, casto e austero (...) de fulgurações de lenda, leitor insaciável, colecionador de tudo o que se escrevera sobre cosmografia e navegação, transferiu para Vila de Terça Naval, junto de Sagres e do Cabo de São Vicente, o séquito de matemáticos judeus, cartógrafos catalães, pilotos de várias origens, e outros que para isto educava e com eles criou um seminário de estudos náuticos chamando-lhe, sem rigor verbal, Escola de Sagres. Foi na verdade uma escola, mas de obstinado trabalho, em que era aluno e mestre aquele príncipe letrado".

Tudo porém não passa de uma lenda. O infante D. Henrique não possuía um vasto sobre a Escola de Sagres jamais existiu, seja qual for o sentido que se queira dar a ela. Nem como uma escola no significado clássico da palavra, nem como um grupo de especialistas que discutissem problemas náuticos. Os avanços técnicos ocorridos com os navios portugueses foram conseqüência da experiência adquirida através de suas inúmeras viagens pelo Atlântico, o que, certamente, não diminuiu o mérito daqueles viajantes e das conquistas feitas pelo império lusitano.

É preciso também deixar bem clara a causa principal da expansão marítima de Portugal. Para justificar sua expansão, os portugueses alegaram a defesa do cristianismo. Tinham como divisa "A propaganda da Igreja de Cristo e a conversão dos infiéis", dando a impressão de que se tratava de uma nova cruzada. Acontece que o objetivo era real outro bem diferente: a busca desesperada pelo ouro.

A conquista da Ceuta demonstrou tal fato. O escritor Georg Friederici narrou com muito realismo o ataque português contra Ceuta: "entregaram-se, de súbito, a tremenda chacina, não respeitando a idade, nem sexo, não poupando mulheres nem crianças. Seguiram o saque e a devastação vandálica: os assaltantes devassavam, remexiam e escavavam. Depredavam os magníficos prédios preciosos e jóias. Os lusitanos semi-bárbaros arrebentavam as jóias das mulheres e das moças, arrancado-lhes e cortando-lhes as orelhas e os dedos".

A finalidade da expansão européia era, tão somente, a busca de riquezas. E mais: durante o processo de colonização no continente americano, portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses se igualaram no vandalismo. Contrariando, assim, os princípios cristãos que diziam defender... A evangelização dos gentios se resumia apenas ao trabalho dos missionários. Os colonos, contudo, procuravam explorar os nativos, realizando às vezes, verdadeiros massacres.

Frei Bartolomeu de Las Casas, considerado o "Apóstolo dos Índios", denunciou as crueldades dos espanhóis durante a conquista: "faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia um homem pela metade, ou quem, mas habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um só golpe".

Antes da unificação da Espanha, o Reino de Aragão, desde o século XII, estava voltado para o Mediterrâneo: "Mesmo após a criação do Estado Nacional, a coroa espanhola seguiu dupla orientação: européia e mediterrânea, segundo interesses aragoneses, americana e atlântica, atendendo às aspirações castelhanas", como registra o livro "História das Sociedades - das sociedades modernas às sociedades atuais", de Rubim Santos de Aquino e outros autores. Mais tarde, quando se criou o Estado Nacional, com a expulsão dos muçulmanos, a Espanha não se preocupou em navegar pelo Ocidente para atingir o Oriente.

Essa política tinha uma série resistência. O seu grande defensor era um estrangeiro, filho de Gênova, chamado Cristóvão Colombo. E a viagem só se efetivou graças ao apoio de dois grupos poderosos: o católico, liderado por Luís de Santangel. Colombo, na realidade, não pensava em descobrir um continente e no entanto foi o que aconteceu. A partir desse momento (1492), a Espanha teve que valorizar uma política Atlântica, principalmente após as descobertas de minas de prata e de ouro no continente americano.

As conseqüências do descobrimento ultrapassaram os limites das fronteiras do império hispânico e se tornaram universais: "a Europa também se transforma graças, sobretudo, ao ouro e à prata, vindos do novo continente. A exploração das colônias, na América, promove a formação de grandes riquezas, cujo capital foi aplicado na indústria. Surge, assim, o regime capitalista", como comentou Alberto Pinheiro de Medeiros, no trabalho "A descoberta da América e as Mudanças", publicado no seminário "Dois Pontos", em outubro de 1992.

As ambições expansionistas da Espanha e Portugal entravam em conflito. Portugal consegue, com D. João (1418) do Papa Martinho V. a bula Sane Charissimus. Seguem outras bulas: Eti Suscepti (1442), Romanus Pontifex (1454), Inter Coetera (1456).

Após a descoberta da América por Cristóvão Colombo, a Espanha entra na briga, procurando obter benefícios da Igreja, graças ao prestígio que desfrutava na Cúria Romana. As bulas iam saindo, refletindo a maior ou menor influência de uma das duas potências ibéricas, em dado momento provocando, inclusive, o protesto do teólogo Francisco Vitória.

Finalmente, Espanha e Portugal chegaram a um acordo. Com o Tratado de Tordesilhas (7 de junho de 1494), o mundo ficaria dividido entre as duas potências ibéricas.

Descoberto o caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama, D. Manuel prepara uma grande esquadra que parte rumo ao Oriente. O comando da armada é entregue à Pedro Álvares Cabral, alcaidemor de Asurara que, segundo Pedro Calmon, "pertencia à melhor gente da beija, cujo grande feito foi, justamente, a descoberta do Brasil".

Como diz ainda o mesmo autor, a armada "ia defrontar o ignoto, nas paragens do Índico: a paz ou a guerra. Devia ser forte. Foi preparada com magnificência: não mais para descobrir \, como a de Vasco da Gama, mas para aliciar ou intimidar o "samorin" de Calecute, nos Estados opulentos".

Participavam da armada nomes ilustres: Nicolau Coelho, Sancho de Tovar, Péro Escobar, Pedro de Ataíde, Vasco de Ataíde, o bacharel mestre João etc.

No dia 9 de março de 1500, após missa solene no dia anterior, Cabral e seus companheiros iniciavam a viagem. Roteiro: ilhas Canárias, São Nicolau. No dia 23, a nau de Vasco de Ataíde desapareceu. No mês seguinte, no dia 22, os expedicionários avistam um monte que recebeu o nome de Monte Pascoal.

Nicolau Coelho manteve os primeiros contatos com os nativos. Fotam celebradas duas missas, ambas por Henrique Coimbra. A primeira, num domingo, dia 26 de abril de 1500, e a segunda, no dia 1º de maio.

No dia seguinte, a esquadra partia rumo ao Oriente. Estava, oficialmente, descoberto o Brasil. O acontecimento foi narrado de maneira brilhante na carta de Pero Vaz de Caminha.

A carta de Pero Vaz de Caminha narrando a descoberta do Brasil, já muito estudada, foi reproduzida na íntegra em alguns livros de História do Brasil. A quase totalidade desses estudos se caracteriza pela erudição. A Dominus lançou uma edição pioneira para o grande público, sem se perder em vulgaridade, contando com uma introdução que é um pequeno estudo sobre aquele documento, escrito por Leonardo Araújo.

A carta foi redigida por uma testemunha ocular do fato, mais do que isso, um eminente humanista. Não é apenas um relatório narrando as peripécias dos navegantes lusitanos numa viagem marítima. Fornece subsídios para uma melhor compreensão daquele acontecimento.

A descrição, pela primeira vez, da terra descoberta é, talvez, a parte do texto mais conhecida: "as saber, primeiramente, de um grande monte, muito alto e redondo: e de outras serras mais ao sul dele, e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz!

Grande observador, descreve os homens da terra com riqueza de detalhes: "A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem coberta alguma (...) Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como furador (...). Os cabelos são corredios".

Narra também o contato de homens que possuíam culturas diferentes e que nativos e portugueses procuravam se entender através de festos, na falta de conhecimento do idioma do interlocutor. Surgindo, naturalmente, alguns desentendidos: "acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do capitão (que era de ouro) como se dariam por aquilo".

"Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejamos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque lhe havíamos de dar!" E mais adiante: "Ali por não houve fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha que se não entenderia nem ouvia ninguém". Lança, portanto, a culpa do não entendimento na barbaria em que se encontravam os nativos. Essa observação não passam de uma prova a mais do etnocentrismo europeu. Os brancos eram os "civilizados", os seres superiores; e os donos da terra, ao contrário, pobres coitados ...

Mas não se pode dizer que o referido documento seja a primeira página da História do Brasil por uma razão muito simples: a História do Brasil começa quando chegaram nesta terra os primeiros homens, numa época bem anterior à vinda dos europeus.

A carta de Pero Vaz de Caminha é, no entanto, um relato longo, minucioso, com dados importantes, fornecendo subsídios não somente para a História do Brasil, mas ao mesmo tempo para outras ciências, como, por exemplo, a antropologia.

Com ela se encerra a fase pré-histórica do País, começando um novo período: o da história escrita, entrando a terra descoberta para o clube do mundo dos "civilizados" ... E os portugueses, certamente, não estavam sozinhos. Portugal teria que enfrentar uma grande concorrência e teve que lutar muito para ficar de posse definitiva do Brasil.

Lenine Pinto, pesquisador norte-rio-grandense, afirma que a expedição de Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil, ao contrário do que se tem dito até hoje, teria pela primeira vez atingido o Brasil provavelmente na praia de Touros, em abril de 1500.

Klécius Henrique, repórter da TRIBUNA DO NORTE que entrevistou o escritor, escreveu o seguinte: "Lenine Pinto argumenta que Cabral em sua viagem rumo à Índia teria seguido a volta do mar numa manobra a partir do Cabo Verde, a oeste, coroneando a corrente subequatorial do Atlântico que se bifurcava no Cabo de São Roque, numa aproximação dramática do litoral potiguar, onde teria aportado em 22 de abril de 1500".

Lenine Pinto desenvolveu, entre outros, o seguinte argumento: "João da Nova, em 1501, quando saiu à procura de Cabral, de Cabo Verde, levou trinta dias para chegar ao cabo de São Roque. Como Cabral, no mesmo tempo, chegaria ao sul da Bahia?

"A duração da viagem de Cabral, Portugal-Brasil, é muito importante. É preciso, portanto, saber o tempo que se gastaria para realizar a viagem Portugal-Touros e a viagem Portugal-sul da Bahia, naquela época.

Lenine diz ainda o seguinte: "Há muitos locais no RN semelhantes aos narrados por Caminha na carta ao rei D. Manuel". Acontece que fica difícil acreditar que os historiadores não tenham percebido antes o erro, afirmando que o lugar atingido por Cabral foi o sul da Bahia. A distância é muito grande. Como explicar tal equívoco?

A tese foi lançada. A dúvida poderá ser dissipada quando Lenine Pinto publicar o seu livro "Reinvenção do Descobrimento do Brasil".

A prioridade da descoberta do Brasil continua sendo uma questão polêmica. Para alguns estudiosos, os espanhóis chegaram primeiro. Varnhagen, por exemplo, defende que Alonso de Ojeda teria atingido o delta do Açu no Rio Grande do Norte. Outros autores concordam que o navegador espanhol visitou o Brasil, divergindo apenas do local. "Vinguand discorda e aponta como sendo o local correto as proximidades do Cabo de São Roque". Capistrano de Abreu e outros autores negam que Ojeda tivesse passado pelo Brasil.

A viagem de outro navegante espanhol também é alvo de discussões. Parece que Vicente Yañez Pinzon teria realmente vindo ao Brasil. Robert Southey chegou a afirmar o seguinte. "A primeira pessoa que descobriu a costas do Brasil foi Vicente Yañez Pinzon".

Segundo os cronistas, no dia 26 de janeiro de 1500, Pinzon chegou a um lugar que denominou de Santa Maria de la Consolación. A controvérsia que existe é sobre onde ficaria essa Santa Maria de La Consolación. Para uns, seria o cabo de Santo Agostinho. Varnhagen indica a Ponta de Mucuripe. Guanino Alves, que pesquisou a viagem de Vicente Pinzon, discorda e indica a ponta de Itapajé, no litoral norte do Ceará, como o local certo. O fato é que o navegante hispânico tomou posse da terra em nome da Espanha. E deu à região visitada o nome de Rostro Hermoso. Depois, Pinzon se dirigiu para o Norte, chegando até a foz do rio Amazonas, que denominou de Santa Maria de la Mar Dulce.

Outro navegador espanhol que provavelmente passou pelo Rio Grande do Norte foi Diego de Lepe e, segundo alguns pesquisadores, teria atingido a enseada do Açu.

Apesar das controvérsias, não se pode negar que os espanhóis antecederam aos portugueses na descoberta do Brasil, considerando que estiveram no País antes de abril de 1500.

Quando os franceses foram expulsos do Sul do País seguiram rumo ao Norte, mantendo um ativo comércio com os nativos. Não conseguiram no entanto instalar uma colônia. Chegaram a contar com um intérprete: "Um castelhano tornado potiguar, beiço furado, tatuado, pintado de jenipapo e urucu, falando o nheengatu em serviço dos franceses com os quais se foi embora", narrou Câmara Cascudo. A base deles era o Rio Grande do Norte.

Os franceses passaram a fazer investidas contra a Paraíba, com o apoio dos potiguares. O ataque mais audacioso se realizou entre 15 a 18 de agosto de 1597. Portanto treze navios, o embate se deu com a fortaleza de Santa Catarina de Cabedelo, sob o comando do aventureiro Jacques Riffaul, que desembarcou trezentos e cinqüenta homens. E mais: "Vinte outras naus reforçaram a investida, esperando a ordem no rio Potengi". Não foi um simples assalto de corsários, mas se constituiu uma verdadeira batalha. A fortaleza foi defendida por apenas vinte soldados. A artilharia contava com cinco peças. Os portugueses resistiram ao ataque, forçando os franceses a baterem em retirada.

Vilma Monteiro analisa a importância dessa vitória: "Determina os novos rumos da conquista da região Norte. Permite a posse efetiva da Capitania do Rio Grande, seu povoamento e colonização, com isso abrindo as portas para a expansão civilizadora sobre novos territórios".

Os franceses, diante desse quadro, ameaçavam a Paraíba; após a caída desta, a próxima conquista seria Pernambuco ...

Foram eles que iniciaram o processo de miscigenação entre europeus e americanos na região. Dois aventureiros se destacaram: Charles de Voux e Jacques Riffault. Ainda hoje um local guarda no nome a lembrança de Riffault, no bairro do Alecrim em Natal, onde se ergueu a Base Naval (Refoles).

A primeira expedição que alcançou terras potiguares foi a de 1501. Essa viagem, iniciada no dia 10 de maio de 1501, se encontra envolvida em controvérsias. A começar sobre quem a teria comandado. Alguns nomes são apresentados: D. Nuno Manoel, André Gonçalves, Fernando de Noronha, Gonçalo Coelho e Gaspar de Lemos - o nome mais aceito. Quem participou também dessa expedição foi Américo Vespúcio.

Após sessenta e sete dias de viagem, foi alcançado o Rio Grande à altura do Cabo de São Roque e, segundo Câmara Cascudo, ali foi plantado o marco de posse mais antigo do País, registrando-se, na ocasião, contatos entre portugueses e potiguares.

O povo, por causa dos desenhos em forma de cruz no Marco de Posse, acreditou ser ele milagroso, surgindo assim, um culto. Oswaldo Câmara de Souza disse o seguinte: "O culto popular chegava às raias do fetichismo, havendo a crença absurda do que um chá preparado com fragmentos da pedra tinha poderes milagrosos, trazendo alívio e cura às mazelas do corpo e do espírito".

Nesse período, o governo lusitano, verificando que o litoral brasileiro estava sendo visitado por corsários, entre eles aventureiros franceses, resolveu enviar expedições militares para defender sua colônia. Foram as chamadas expedições guarda-costas, sendo consideradas as mais marcantes aqueles que vieram sob o comando de Cristóvão Jacques, entre 1516 a 1519 e 1526 a 1528. Uma iniciativa ingênua, considerando a imensa extensão do litoral. É o próprio Cristóvão Jacques que sugere o início do povoamento como solução para resolver o problema. Eminentes portugueses aprovaram e defenderam a idéia. D. João III, então envia uma expedição colonizadora chefiada por Martim Afonso de Souza.

A base estava lançada e em 1532 fundava-se São Vicente, no Sudeste do País, o que era muito pouco pois o Brasil possuía dimensões continentais. Cristóvão Jacques, entre outras coisas, sugere que se aplicasse no Brasil um sistema que já vinha sendo feito nas ilhas do Atlântico: o das Capitanias Hereditárias. Uma, na realidade, já havia sido criada em 1504 por D. Manuel, a de Fernando de Noronha. D. João III adota oficialmente o sistema no Brasil, criando quatorze capitanias no período compreendido entre 1934 e 1936. Entre elas, a de João de Barros, no futuro Rio Grande, como lembra Câmara Cascudo, "começando da Baía da Traição (Acejutibiró, onde há cajus azedos, segundo Teodoro Sampaio), limite norte da Donatária Itamaracá, pertencente a Pero Lopes de Souza, até a extrema indefinida".

A capitania possuía cem léguas de extensão. Em 1535, João de Barros, Aires da Cunha e Fernão Álvares prepararam a maior esquadra particular que havia saído do Tejo até aquele momento:" Com cinco naus e cinco caravelas, novecentos homens e mais de cem cavalos". O comando coube a Aires da Cunha. O governo investiu também nessa expedição: "D. João III emprestara artilharia, munições e armas retiradas do próprio Arsenal Régio", informa Câmara Cascudo. Por essa razão, muitos eram de opinião que Aires da Cunha pretendia, além de fundar colônias no Norte do Brasil, atingir o Peru pelo interior... Formando mais uma controvérsia ...

Varnhagen fala de um conflito entre nativos e portugueses à altura do rio Ceará-Mirim, Câmara Cascudo nega o incidente, afirmando que Varnhagen "arquitetou tal viagem". É taxativo: "Aires da Cunha nunca esteve no Rio Grande do Norte". Passando pelo litoral potiguar, o navegante seguiu viagem rumo ao Norte.

A expedição foi um fracasso total com a morte de Aires da Cunha. Os portugueses conseguiram fundar, ao Norte, o povoado de Nazaré, onde permaneceram três anos. Morreram setecentos homens. Os expedicionários partiram em busca de melhor sorte. Os resultados, porém, foram péssimos. Alguns foram jogados nas Antilhas; outros atingiram Porto Rico. E um grupo formado por São Domingos e João de Barros conseguiu reaver seus filhos que, quando regressavam de Nazaré, numa tentativa infrutífera, procuravam colonizar o Rio Grande. Foi nessa oportunidade que teria ocorrido o conflito entre potiguares e lusitanos, mencionado por Varnhagen. Mesmo fracassando, essa foi, na opinião de Câmara Cascudo, "a primeira tentativa de colonização no Rio Grande do Norte".

INDÍCIOS DOS PRIMEIROS HABITANTES NO RIO GRANDE DO NORTE

O Homem, quando chegou ao continente americano, já havia passado por uma longa evolução, desde o aparecimento do Homo Erectus, que viveu há 1,7 milhão de anos até 200 mil anos atrás. Pertencia ao grupo do Homo Sapiens. Não há, até o presente momento, unanimidade sobre a origem dos primeiros povos que colonizaram a América, mostrando ser assim um problema complexo. Diversas teorias abordam a questão, sendo a mais aceita aquela que defende terem os primeiros homens vindos da Ásia, através do Estreito de Bering, atingindo a América do Norte durante a última Era Glacial. Um grande volume de águas retidas nas geleiras provocou o abaixamento do nível das águas do mar, fazendo surgir uma ligação terrestre entre a Ásia e América. Segundo a pesquisadora Betty J. Meggers, "a mais antiga ponte terrestre existiu entre cerca de 50.000 e 40.000 anos atrás e foi usada por várias espécies de mamíferos do Velho Mundo (...) Após um intervalo de submergência que durou uns 12.000 anos, a ponte reapareceu entre cerca de 28.000 e 10.000 anos atrás". Nesse período, contudo, uma camada de gelo surgiu como obstáculo à passagem humana durante alguns milhares de anos. Acontece que, como esclareceu Meggers, "no decorrer de alguns milênios, antes que os segmentos de Leste e Oeste se fundissem e um corredor se abrisse novamente a ponte terrestre foi transitável." Permitindo, assim, a caminhada humana. Foi aproveitando essa oportunidade que os asiáticos teriam penetrado no continente americano.
Existem provas de caráter antropológico, etnográfico e lingüístico a favor da teoria asiática, mas Paul Rivet acreditou que essa não foi a única via de acesso do homem ao continente americano. Essas provas se restringiram a uma região, a parte setentrional da América do Norte, segundo Rivet. É justamente por essa razão que ele defende uma origem múltipla: os australianos teriam invadido a região mais meridional da América do Sul. Para Rivet, portanto, uma das influências étnicas que podem destacar-se na América é de origem australiana. Sua ação, por discreta e limitada que tenha sido, loga impor-se pela antropologia, pela lingüística e pela etnografia". Acredita ainda esse cientista que uma parte da América foi povoada pelos polinésios, apresentado provas lingüísticas, culturais e tradicionais.
Paul Rivet é de opinião que o Atlântico funcionou como uma barreira intransponível para que o homem chegasse até ao continente americano e que, "ao contrário, o litoral do ocidente da América foi permeável a migrações múltiplas, em toda a sua extensão. O Pacífico não se tornou de forma alguma um obstáculo. Foi, sim, um traço de união entre o mundo asiático, a Oceania e o Novo Mundo".
A teoria da origem múltipla de Raul Rivet foi defendida por alguns, porém combatida pelos seus adversários. A verdade é que, apesar do avanço nessa discussão, a questão ainda não foi totalmente solucionada.
A controvérsia não atinge apenas a via de acesso, mas igualmente a época em que os primeiros colonos povoaram a América. Para Betty Meggers, "as discordâncias surgem das informações esporádicas inconclusivas, da presença do homem do Novo Mundo entre 40.000 e 12.000 anos passados, datação que alguns autoridades aceitam e outras não."
O certo é que o "homem entrou no Novo Mundo enquanto estava ainda subsistindo à base de plantas e animais selvagens", nas palavras da mesma autora. Esse homem, ao migrar para outras regiões, caminhou a pé. Teria ocorrido, desse modo, várias migrações.
As primeiras comunidades agrícolas surgiram no México, na América Central, Equador e Bolívia. Viviam em pequenos bandos. Eram caçadores e coletores. À medida em que avançavam para o sul, segundo os que acreditam na origem única, asiática, as comunidades foram passando por mudanças, com o objetivo de se adaptarem ao novo ambiente. Essas adaptações foram importantes para o desenvolvimento dos diversos grupos.
Com relação à presença dos primeiros homens no Brasil, existe também uma grande controvérsia. A ocupação de terras brasileiras pelo homem ocorreu entre 9.000 e 11.300 anos, segundo alguns pesquisadores. Outros defendem uma data bem mais remota. Aos poucos é que o quadra vai se delineando. Constataram-se, pelo menos, duas áreas de influência - a Bacia Amazônica e outra compreendendo o Planalto Central do Brasil - que foram ocupadas através de vagas sucessivas, até chegar ao Rio Grande do Norte" por um processo de migração que permitiu culturas estabelecidas em determinadas áreas fossem substituídas por outras, no decorrer de milênios e até séculos", de acordo com Tarcísio Medeiros.
Em síntese, o homem primitivo teria seguido o seguinte roteiro: Andes, Planalto do Brasil, Nordeste e, finalmente, o Rio Grande do Norte.
O centro de dispersão dos tupis, segundo o mesmo autor, aconteceu no "istmo do Panamá. Desse ponto, um ramo alcançou a foz do Amazonas; do outro rumou para o Nordeste brasileiro; e um terceiro desceu o Tapajós, o Madeira e iniciou uma migração pelo Xingu acima".

O Rio Grande do Norte foi habitado pelos animais da megafuna na era Cenozóica e, dos estudos realizados sobre o assunto, é possível chegar a duas conclusões, como disse Tarcísio Medeiros:

"a) A extinção dos grandes mamíferos processou-se mais recentemente do que se supõe em partes dessa região."

"b) Que a presença do homem, em comum com esses animais da megafauna no mesmo território, é mais antiga do que se considera habitualmente".

Exemplo dessa presença humana no Nordeste: Chá do Caboclo (Pernambuco).

Os primitivos habitantes eram formados pelos grupos de caçadores e coletores. Os homens contemporâneos da megafauna deixaram vestígios que se encontram nos sítios Angicos e Mutamba II. Diversos estudos arqueológicos foram feitos pelo Museu Câmara Cascudo, tendo à frente o pesquisador A. F. G. Laroche que, com suas investigações, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, forneceu importantes subsídios para a pré-história nordestina. Nássaro Souza Nasser e Elizabeth Mafra Cabral analisaram as inscrições rupestres do Estado, publicando posteriormente um estudo sobre o assunto. A arqueóloga Gabriela Martín, da Universidade Federal de Pernambuco, pesquisou intensamente as inscrições rupestres do Rio Grande do Norte, resultando em estudos como o intitulado "Amor, Violência e Solidariedade no Testemunho da Arte Rupestre Brasileira". Participou também do "Projeto Vila Flor", financiado pelo SPAN/Pró-Memória, cujo objetivo era o "estudo arqueológico e levantamento da documentação histórica da Antiga Missão Carmelita de Gramació". A mesma pesquisadora recentemente publicou um livro sobre a pré-história do Nordeste.

Na fase Megalítica, os homens se tornaram sedentários. O pesquisador Nássaro Nasser descobriu as "Tradições Cerâmicas", chamadas de Papeba e Curimataú. O professor Laroche, por sua vez, encontrou vestígios de diversas culturas pré-históricas, sendo a mais antiga do sítio "Mangueira", em Macaíba.

O professor Paulo Tadeu de Souza Albuquerque, coordenador do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Larq/UFRN), realizou uma série de pesquisas, trazendo novas luzes sobre o longínquo passado potiguar. Participou de escavações realizadas na Fortaleza dos Reis Magos e na antiga catedral, onde encontrou o túmulo de André de Albuquerque Maranhão.

Alberto Pinheiro de Medeiros, coordenando investigações de alunos da UFRN, enveredou por outras vertente sobre o tema pesquisado, chegando a sistematizar uma alternativa - descrita no item sobre as inscrições rupestres, mostrado a seguir que poderia ser acrescida às conclusões já apresentadas sobre os primeiros habitantes do Rio Grande do Norte.

Os primeiros habitantes do Rio Grande do Norte deixaram nas rochas e nas paredes das cavernas sinais incisos ou pintados. Em alguns sítios, existem apenas inscrições rupestres incisas (Fazenda Umburana, região do Abernal, município de Serra Negra-RN) e em outros locais encontram-se, no mesmo painel, inscrições incisas e pinturas (Fazenda Soledade, Apodi-RN).

Na atualidade é praticamente impossível saber quais foram os autores de tais legados. Mesmo assim, diante desse contexto, ainda se pode tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, é provável que tenham ocorrido dois estágios culturais. O mais primitivo estaria representado, pelos desenhos incisos. O outro estágio, mais desenvolvido, estaria caracterizado pelas pinturas que requeriam uma técnica mais complexa a elaboração de tintas. Para comprovar tal afirmação é suficiente apontar como exemplo o sítio que existe na Fazenda Flores, no município de Apodi-RN), onde os traços incisos eram feitos no chão e numa rocha, larga na base e que vai se estreitando à medida que sobe. Na rocha também há pinturas representando pares de mãos. Outro detalhe: os incisos estão quase apagados e grosseiramente desenhados. As mãos pintadas, porém, são muito bem feitas e apresentam grande nitidez Esse sítio poderia ser o testemunho de uma evolução cultural.

Outra questão que se discute - e esta é universal - seria o significado, ou seja, o que representariam ser de fato as inscrições rupestres: arte, escrita ou símbolos religiosos.

Existe, em princípio, uma dificuldade: como interpretar o pensamento do homem primitivo pelas pessoas que vivem no século XX? É possível ao homem contemporâneo penetrar na mentalidade de um ser nascidos séculos e séculos atrás? Por essa razão torna-se necessário fazer um esforço para recuar no tempo e se despir da cultura na qual o pesquisador nasceu e vive. Seria isso possível?

Esse é um problema de difícil solução, que exige muita competência e humildade por parte do pesquisador. Uma saída, provavelmente, é pesquisar os caracteres daqueles povos que tiveram sua escrita decifrada. Estudar, por exemplo, os Astecas (México) que possuíam uma escrita "pintada" e uma fonética. A escrita estava ligada aos sacerdotes, como na Suméria. O significado, no dizer de Córdova Ituburu, era determinado pela deformação de certas partes e das cores. Os sacerdotes daquele povo lidavam com caracteres simbólicos secretos. O conteúdo religioso de determinados símbolos não invadia a tese da escrita Richard E. Leakey estava certo quando disse que "as amostras de ocre que parecem em diversos sítios da Europa de 200 mil anos ou mais de idade, certamente, sugerem ornamentação ritual das pessoas e dos artefatos. Ritual e simbolismo aludem francamente à competência lingüística".

Tudo leva a crer que as inscrições rupestres que existem no Rio Grande do Norte constituem de fato uma escrita. Diferente, naturalmente, de que se usa na atualidade. Mas com certeza era um instrumento de comunicação. Os autores das inscrições possivelmente desenhavam ou pintavam para transmitir uma mensagem. O seu significado se perdeu no tempo, mas não pode ser considerado arte, porque tais caracteres não eram produzidos para deleite espiritual, nem para expressar o belo. A razão disso é muito simples: o homem primitivo, pelas dificuldades que enfrentava para sobreviver, era prático e rude. Quando sentia fome procurava resolver de imediato o seu problema. Não tinha condições de praticar uma atividade voltada para o embevecimento espiritual. Havia sim, grande necessidade de se comunicar.

A reprodução de um objeto através de um desenho é uma tentativa de fazer referência a algo que impressiona, de mostrar a outro ou a uma comunidade o valor daquele objeto. Traços em formas de barras ou então círculos ou pontos podem significar elementos de contagem. Mas na mente do homem primitivo poderiam também ter outra significação qualquer. Uma conclusão pode ser considerada como certa: eles desenhavam ou pintavam para transmitir uma mensagem. E naqueles tempos difíceis para a humanidade, a comunicação, certamente, era fundamental para a sobrevivência de um grupo, de todo o gênero humano...

O litoral norte-rio-grandense, na época da descoberta do Brasil, era habitado pelos tupis, originários do Paraguai e do Paraná. Falavam o abanheenga que, segundo Varnhagen, era uma língua aglutinativa, porém, com reflexões verbais. Receberam o nome local de potiguares.

Tarcísio Medeiros descreve o tipo físico dos potiguares: "tinham o porte mediano, acima de 1,65 cm, reforçados e bem feitos no físico, olhos pequenos, negros, encavados e erguidos, amendoados (...), eram mais ou menos baços, claros. Pintavam o corpo com desenhos coloridos (...), furavam os beiços".

Os tapuias, que moravam no interior, foram descritos da seguinte maneira, por Olavo de Medeiros Filho: "as mulheres eram, indistintamente, pequenas e mais baixas de estatura que os homens. Possuíam a mesma cor atrigueirada, sendo muito bonitas de cara, obedecendo cegamente aos maridos em tudo que fosse razoável".

E, mais adiante, acrescenta: "os tapuias andavam inteiramente nus. Não usavam barbas e depilavam sistematicamente todos os pêlos surgidos no corpo, inclusive as sobrancelhas (...) Os tapuais pintavam hediondamente o corpo com tinta extraída do fruto de jenipapo, a fim de adquirirem um aspecto terrível nos combates".

Tarcísio Medeiros apresenta a seguinte classificação da população nativa, formada por diversas nações, na época da descoberta do Brasil:

Litoral: potiguares.

Serído: arius, cariris, panatis, curemas, pebas e caicós

Chapada do Apodi: paiacus, cariris, pajéus, pegos, moxoiós e canindés.

Zona Serrana: pacajus, panatis, icós e parins.